Empresas passam a ‘vender’ privacidade na internet

À medida que o monitoramento secreto de usuários da internet se torna mais agressivo e abrangente, pequenas empresas iniciantes e gigantes da tecnologia começaram a oferecer um novo produto: privacidade.

Companhias como a Microsoft Corp., a McAfee Inc. — e até mesmo algumas das próprias empresas de monitoramento — passaram a oferecer novas maneiras de proteger as pessoas da bisbilhotagem on-line. Algumas estão até indo além e começando a pagar às pessoas uma comissão toda vez que seus detalhes pessoais são usados por empresas de marketing.

“Os dados se tornaram um novo tipo de moeda”, diz Shane Green, diretor-presidente da empresa iniciante Personal Inc., sediada em Washington, que captou recentemente US$ 7,6 milhões para criar uma firma voltada a ajudar as pessoas a lucrar com o fornecimento de seus dados pessoais para anunciantes on-line.

A série de reportagens do Wall Street Journal chamada “O que eles sabem”, sobre o monitoramento na internet, expôs uma rede em rápido crescimento de centenas de empresas que coletam dados altamente pessoais sobre as pessoas na internet — suas atividades on-line, opiniões políticas, preocupações com a saúde, hábitos de compras, situação financeira e, em alguns caos, até seus nomes — para alimentar a indústria americana de propaganda on-line, avaliada em US$ 26 bilhões.

Nos primeiros nove meses do ano passado, os gastos com propaganda na internet subiram quase 14%, enquanto a indústria publicitária geral cresceu apenas 6%, segundo dados da PriceWaterhouseCoopers LLP e da Kantar Media, subsidiária da WPP PLC.

O investidor imobiliário londrino Giles Sequeira é uma das pessoas que estão testando esse novo mercado: ele começou recentemente a vender seus dados pessoais. “Não tenho paranoia com privacidade”, diz ele. Mas à medida que aprendeu mais sobre o assunto, diz, ficou mais preocupado com a maneira como seus dados estavam sendo usados.

As pessoas “não têm ideia de onde isso vai parar”, diz ele.

Assim, em dezembro, Sequeira se tornou um dos primeiros clientes da novata Allow Ltd., sediada em Londres, que se oferece para vender os dados pessoais dos usuários com autorização deles e lhes dá 70% da receita. Sequeira diz que já recebeu um pagamento de 5,56 libras esterlinas (R$ 14,87) por permitir que a Allow informe a uma administradora de cartão de crédito que ele está buscando um novo cartão.

“Eu não emprestaria meu carro a um estranho” de graça, diz Sequeira, “então por que faria isso com meus dados pessoais?”

No Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, em janeiro, executivos e acadêmicos se reuniram para discutir como tornar dados pessoais uma “classe de ativos”, dando às pessoas o direito de solicitar que terceiros os administrem ou os vendam.

“Estamos tentando transferir o foco da pura privacidade para o que chamamos de direitos de propriedade”, diz Michele Luzi, diretor da consultoria Bain & Co., que comandou a discussão em Davos.

A Allow, a empresa que pagou Sequeira, é apenas uma entre dezenas de novas firmas que almejam lucrar com o nascente mercado de dados privados. Várias prometem pagar às pessoas uma comissão com a venda de seus dados. Outras oferecem produtos gratuitos que bloqueiam o acompanhamento on-line, na esperança de depois vender aos usuários outros serviços — como endereços de e-mail ou números de telefone descartáveis, que dificultam o monitoramento pessoal. Ainda há as que vendem serviços como o de remoção do seu nome de bancos de dados de marketing.

“Os empreendedores sentem que há uma oportunidade”, diz Satya Patel, investidor de capital de risco da Battery Ventures, que liderou um grupo de investidores que aplicou US$ 8 milhões em junho numa empresa iniciante chamada SafetyWeb, que ajuda os pais a monitorar as atividades dos filhos em sites de relacionamento social, e está lançando também um novo serviço de proteção da privacidade para adultos chamado myID.com.

No setor de monitoramento on-line, pouco regulamentado, um grande teste da sobrevivência do novo mercado de dados pessoais é se ele vai conseguir calar o coro crescente de críticos que exigem mais fiscalização governamental. Políticos americanos apresentaram este mês no Congresso dois projetos de lei defendendo a privacidade e, em dezembro, o governo do presidente Barack Obama sugeriu a criação de uma “carta de direitos” de privacidade on-line. A FTC, agência americana de defesa do consumidor, quer criar uma lista de bloqueio do monitoramento inspirada no mesmo mecanismo que já bloqueia chamadas de telemarketing.

O setor está se movimentando em várias frentes para reagir às sugestões de maior regulamentação. A Microsoft apoiou semana passada o sistema de bloqueio do monitoramento. A gigante americana do software também pretende incluir uma ferramenta poderosa de proteção contra o monitoramento na próxima versão de seu navegador da internet, o Internet Explorer 9, revertendo decisão anterior de retirar tal recurso.

A própria indústria de publicidade on-line está lançando novos serviços de proteção da privacidade, na esperança de impedir a regulamentação. A maioria permite que os usuários bloqueiem os anúncios personalizados, embora geralmente não impeçam o monitoramento.

O mercado de privacidade já passou por turbulências antes, durante a bolha das empresas pontocom, em 2000, quando o monitoramento on-line estava nascendo. Na época surgiu uma série de empresas de internet voltadas a proteger as pessoas do monitoramento na internet, mas poucas sobreviveram devido à falta de interesse das pessoas.

Até 2008, era tão difícil vender esse tipo de proteção que o empreendedor Rob Shavell diz que evitava usar a palavra quando tentava atrair investidores para sua empresa, a Abine Inc., que bloqueia o monitoramento on-line. Hoje em dia, diz ele, a Abine voltou a citar “privacidade” e já recebeu mais de 30 demonstrações espontâneas de interesse dos investidores nos últimos seis meses.

Em junho, outra empresa, a TRUSTe, captou US$ 12 milhões de capital de risco para expandir seus serviços de proteção da privacidade na internet. Ao mesmo tempo, a Reputation.com Inc. captou US$ 15 milhões e triplicou seus investimentos em novas iniciativas de privacidade, como um serviço que retira o nome das pessoas de banco de dados on-line e uma ferramenta que permite criptografar atualizações do Facebook.

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Via The Wall Street Journal

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